terça-feira, 27 de maio de 2014

longas cartas pra ninguém, capítulo I

meu amor,

de repente, quase sem querer, descobri que tú estás em terra estrangeira, não me pergunte como meu bem, essas coisas simplesmente aparecem pra mim. queria te dizer que olhei um avião voando no céu hoje e rezei bem forte pra que fosse o teu e mandei um beijo pro ar, cheio de promessas pra que essa terra te recebesse de braço aberto e pra que tu pudesse recebe-la tambem. os carros da rua guaicurus, em frente aquele bordel azul chamado sereias não entenderam nada, quase fui atropelada pra largar de ser besta, e olha, ligaria nada se tivesse sido. eu queria te contar também que aquele cara gordo, o mexicano mais gordo do mundo morreu hoje, e meu deus, lembrei tanto de ti. fiquei pensando que a gente iria criar mil teorias de como esse homem seria enterrado e ririamos, mas depois eu ia me sentir culpada porque a morte nada tem de engraçado. manoel uribe morreu e só tem uma pessoa no mundo que saberia do que eu to falando: tu. que vida mais besta essa minha, tu tá ai contemplando os andes e tomando vinho enquanto eu me arrasto nessa melancólia sem fim; tem nada mais pra esconder não. ainda que você não esteja nessa cidade fria de merda, é aquilo né? você vai estar sempre. e quando você voltar, adivinha só? milhares e milhares de quilometros de mim. tudo bem, eu me acostumei a isso de uma forma engraçada e providencialista. tem mais nada pra esconder não, fi. pedi a deus e aos santos, a jah e a maomé, alá, khrisna  e todos os outros pra que tu fizesse boa viagem. de repente tu deixou alguma moça bonita de corte de cabelo horroroso te esperando, e quando você voltar, nossa. certeza que ela deve ter classe e gostar de musica de gente grande, ela deve ter amigos cineastas, filosofos, gente de estirpe. ela vai te esperar, meu amor. quem não esperaria? to te esperando até agora, te esperaria minha vida toda. pena que não dá. ela deve gostar de cinema francês, comida vietnamita e essas peragens, mas ó baby, se afobe não. nada é pra já e essas coisas tudo passam, cê vai ver. eu queria te escrever um milhão de cartas, colar selos e posta-lás no correio nesse meio tempo que você tá fora. queria que você deixasse esse seu lado shoppenhauer de lado e percebesse como eu trasbordo de amor por ti e o quanto eu já tentei correr disso, mas não. quando você me mandou um e-mail como uma música do robertão eu quase chorei na minha mesa do trampo, mas de boniteza, não de tristeza; mas ainda assim, larguei essa vida de lágrimas há um tempo. tô resoluta na minha perda e consciente na minha melancólia, que deixa meus dias mais lindos e tristes e sóbrios e cinzas. você não vai receber essa carta, nem as mil outras, não vou saber nunca se você voltou ou não, mas espero que sim. espero que espero. minha vida é esperar.
e te querer bem.
um beijo pra tu e vai curintia.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

I sing the body eletric, II



eu sinceramente não sei onde essa melancolia vai me levar; eu já estive em todos os lugares em que poderia estar. eu alimento essa tristeza porque de alguma forma ela me mantém viva, enquanto o mundo ao meu redor morre lentamente. ou é o inverso, sei lá. a fluidez da vida me assusta. a imprevisibilidade de existir; é como um corte diagonal no dedo feito com papel sulfite. devia ser suportável, mas simplesmente não é. amar você é como as sete praga dos egito -eu não posso ser salva porque não faço parte do povo escolhido. eu observo mais um dia passar sem ter a menor ideia de quanto tempo eu vou ser consumida pelo cheiro de queimado do ar. pelo cheiro da noite. por essa interminável espera;  sem saber quanto tempo eu vou pertencer a isso. parece o inferno mas é só a pulsação das minhas veias.
eu sou um cemitério de lembranças.
eu sou um cemitério.


mary prays the rosary from my broken mind,

quinta-feira, 22 de maio de 2014

das músicas que eu gostaria de ter escrito, parte V

I never came
 
When you say it's dead and gone, yes, I know you're wrong
Cut and slash, sharpest knife, it won't die, ah
Poison cup, drank it up, it won't die
No fire, no gun, no rope, no stone, it won't die, ah
Why you gotta shove it in my face
As if you put me in my place?
'Cause I don't care if you or me is wrong or right
Ain't gonna spend another night in your bed, in your bed
Laws of man are just pretend, they ain't mine
Love so good, love so bad, it won't die, ah
Some talk too long, they know it all and I just smile and move on
Words ain't free, like you and me, I don't mind, ah
Why'd you have to be so mean and cruel?
The dogs are loose, I'm on to you
You ball and chained together from the dawn to dusk
Can't call it leaving, 'cause it's just I never came
I never came
I never came
I never came
I never came
I never came


queens of the stone age, I never came, lullabies to paralyze, 2005.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Reflexões sobre uma cidade que não é minha


de repente eu estava dentro de um ônibus indo em direção a um estado que não conhecia, eu já tinha chorado todas e tinha voltado a fumar escondida porque sabia de algo que estava visível apenas nas entrelinhas. olhei pro lado, tava você lá, viajando de coração apertado ali comigo, assim, quase sem querer. te levei pra uma das cidades mais bonitas da minha vida, era tudo uma pintura, era tudo sagrado, era tudo.
tudo o que eu tinha eu levei naquela mala tão pequena, meu deus. o ar já tinha começado a manifestar as primeiras impressões de infinito, tudo parecia um sonho maluco, sem contorno e formas definidas, tinha estrada, uma estrada especialmente pavimentada pra dois. tinha também a voz etérea de uma moça que eu não conhecia, e que me acompanhou a viagem toda. que beleza estonteante eu vi ali. eu vi tristeza também, principalmente a minha, mas só um amor não realizado pode ser bonito -  disse aquele cineasta que eu simplesmente detesto. eram sete da noite e não tinha horário de verão, era outono já, um arco-iris riscou o céu depois da chuva, eu juro por deus. parecia mentira, parecia conto de bêbado que ama demais, mas eu juro: um arco-iris riscou o céu de ponta a ponta e nós embaixo feito dois imbecis olhando pra peças de prata e ouro do período colonial.eu entrei em duas mil igrejas, chorei em todas elas e fiz o mesmo pedido em todas elas. um lugar de culto, um lugar de resistência. adentrei muitos lugares e eu pertenci a cada um deles saboreando o fim iminente. engraçado como a gente sempre sabe. sempre. fiz muitas preces pra você ficar; mas você nunca esteve. então eu sorria, sorria com força, apertava sua mão e pedia um chopp. suava tanto...o que mais eu poderia fazer? eu tentei eternizar aqueles momentos e aqueles cheiros e aquelas rezas. visitamos cemitérios do século XVIII pulando os muros como dois comparsas adentrando a noite e os silêncios eram tão espaçados, assim como nossos passos. o céu dessa cidade que não era minha acolheu minha tristeza e respeitou minha solidão; ele exaltou minhas urgências enquanto eu sonhava constantemente com o fogo do inferno. o céu dessa cidade que não era minha era cor de lavanda; eu amei naquela cidade, talvez tenha sido ali que eu percebi que amaria para sempre. atmosfericamente eu senti como se flutuasse pelas ruas de pedra e tivemos chuva - sim, mais um capricho dos deuses e santos - pra lavar um pouco de nossas almas encardidas. a chuva lavou meu rosto e você olhou pra mim: eu desejei ser a moça mais bonita do mundo inteiro. em todos os retratos que você tirou de mim naquela cidade eu só consegui parecer triste e calada. triste e calada. talvez seja a definição mais latente de uma vivência expressiva : por dentro eu tinha o universo todo, estrelas cadentes e planetas, frases lindas de efeito, amor em estado líquido, sexo e outros acidentes. por fora, cinza e ossos.
eu sonho muito com esses cemitérios e igrejas, com essas ladeiras e esses céus, sonho porque às vezes tenho medo de perder essas memórias. sonho porque às vezes  peço  pra esquecer tudo isso. não sei se é só um bloqueio espacial. não sei se é só falta de preparo com as temporalidades do sofrimento. meu pedido não se realizou; jamais poderia.

domingo, 11 de maio de 2014

reflexões sobre a cidade, parte II

eu estava andando ontem pela praça da sé quando os prédios velhos do entorno começaram a cair sobre a minha cabeça; aquela sensação conhecida de que só aqui eu faço sentido. são paulo, você é a grande protagonista dessa história. só mesmo uma cidade dessa magnitude poderia abrigar todos os meus amores. somente uma cidade desse tamanho poderia sintetizar toda a minha dor de existir. aqui, todos os dramas cabem. eu respiro o ar de maio, com seu cheio peculiar de queimado e rio pinheiros e sei: sou eu aqui. eu não conheço o exílio porque sou isso aqui. às vezes eu te odeio como uma intensidade que parece que não vou aguentar, mas eu aguento. viver aqui é resistir. viver aqui é sobreviver. é entender todos os lugares do mundo a partir da premissa do que não é, do que jamais poderá ser. e isso não é uma coisa boa. como esse senso opressor de pertencimento também não é. você me moldou. é opressiva, chega a doer às vezes. mas cada dia tem um essa coisa de pequenas poéticas urbanas e malucas. lindas...pontes quebradas e estacionamentos no centro. eu te romantizei, cidade do caralho. te romantizei para poder respirar, e meu deus...que ar pesado...cheio de lembranças...maio...
já aconteceu a você de sentir o cheiro de alguém impregnado à própria noite?
sinto isso aqui. é tão misturado que não sei mais quem é quem, quem é ele, quem é a cidade, fria e impetuosa, choro sempre entre as estações Anhangabaú e Pedro II, quando o metrô mostra a cidade desnuda por cima dos trilhos: me sinto extasiada. eu sempre soube, desde pequena, que são paulo iria me arrasar sem dó: é muita lembrança, é muita história. é muita grandeza, é muita pobreza.
será que só agora eu percebi o esforço diário e absolutamente dialético que faço pra não te ter e te fazer permanecer na minha vida? tu és a cidade dos meus pesadelos, mas também é contigo que tenho os sonhos mais bonitos.
só tu, feia, cinza e errada pra me fazer amar como se não houvesse amanhã, me emprestando suas sarjetas e ruas sem saída pros meus espetáculos de bêbada sentimental de batom vermelho. sem julgamento, sem pressa, sou só mais uma a perambular por aí de coração quebrado e fodido. você conhece bem o clichê.
porque tu és maior clichê da minha vida, sua filha da puta. 
as igrejas. as igrejas do centro da cidade. porque elas fazem isso comigo? eu entro para adorar os santos que não acredito, eu entro com vontade a procura de luz e alguma direção pra esse caminho e saio arrasada como se tivesse uma bigorna ancorada ao peito. me conheces demais, cidade maldita. me conheces demais. visito as criptas porque de certa forma também me sinto meio morta, mas daí corro pelas avenidas e sei lá, sangue nas veias tudo de novo. alguma coisa acontece no coração da gente sim. tem como evitar não. é um ciclo sem fim de adoração e sofrimento. de entrega e paixão, de ódio, rancor e mudança de rotas no gps. devoção.
Alguém olhou pela janela do Metro na estação Pedro II e gritou com raiva: "Puta cidade bonita dos infernos" eu não conseguiria definir melhor.