terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Impressões sobre uma cidade que é a minha

desci no largo são francisco, mas eu já podia sentir a agitação das minhas entranhas ao subir ao rua perpendicular que nos leva à ruína de tudo. o centro histórico de são paulo faz com que eu me sinta absolutamente local e completamente estrangeira, é uma dualidade tão maluca que não dá pra explicar. andei e andei e andei pela rua XV de novembro, nigerianos vendendo relógios dourados e rindo, pernambucanos fazendo repente alegremente enquanto a alguns metros peruanos descendentes de manco capac o próprio, o primeiro rei da cidade de cuzco, tocavam flautinhas e dançavam,  e outras dúzias de pessoas assistiam atentamente um maluco enganá-las com aqueles truques baratos do centro da cidade. eu observava tudo como se fosse a primeira vez, sendo que não era, nasci nessas ruas feias, movimentadas, corridas. corre esse sangue em mim desde o principio dos tempos. desci as ruas todas, saboreando o contentamento de fazer parte; olhei pros coxas guardando as esquinas, coisa mais paulistana não há, coxas por toda a parte, fumando cigarros e encarando pessoas. quase saí do corpo quando olhei de relance pro pateo do colégio, tão velho e esquecido e maltratado por nós e pelo tempo inexorável que só faz passar. e senti uma fobia maravilhosa ao ver todos aqueles edifícios mal assombrados no entorno da praça joão mendes, todos os povos do mundo se encontram ali, pode ter certeza. e ao passar pelo descampado vale do Anhangabaú era como se os prédios rissem e despencassem sobre mim são paulo abriga todo mundo. e quando você sente o mal-estar do pertencimento, você sabe, está visível e estampado na sua cara. aquele desconforto de caber e não caber aqui. o desconforto de existir num lugar tão improvável.  pertencer não significa ter nascido aqui, significa que a cidade adentrou o seu coração, lá no fundo. e uma vez que ela entrou, ela não saí mais.