segunda-feira, 27 de maio de 2013

dádiva do nilo

foi ali
no coração da avenida paulista
que eu vi
meu sangue se esvair do corpo
feito água
a dádiva do nilo
que me foi dada
era um dia tão lindo, de chuva clara e cristalina
de tons carvão, cinza flamejante
as antenas de rádio interferiam em minhas estações
internas
enormes
era o transtorno
era o transito
era um misto de contentamento e desespero, em seu estado mais puro
era uma alegria bipolar, esquecida
eu estava vagando por entre os carros
eu estava em todos eles
em pedaços
eu sabia que tinha que continuar
eu não sabia como
mas aquilo, ali,
me era predestinado
eu olhei pela janela do ônibus
que em fúria, corria apressado
expurgando todo o pus desses versos
meus
me deixando ser
aquilo que eu nasci pra ser

eu cheguei no topo daquela rua que não ouso dizer o nome e tive certeza:
pra viver essa vida é preciso ter coragem


sexta-feira, 24 de maio de 2013

nós,os outros


felizes aqueles que são amados
amáveis
doces
fáceis
porque nós, os outros
vivemos de sobras
de cinza de cigarros
vivemos das tragadas intragáveis dessa vida
vivemos brindando a dor de qualquer um
que nos alimenta
somos duros, feito o diabo
opacos
nós, os outros
um gole, uma conversa barata
qualquer coisa nos basta
somos poucos, pequenos
não cabemos
vivemos à espreita, na surdina
na sarjeta
na miséria
nossa
&
dos outros


e se não houver um inferno? e se não nos quiserem lá?

quinta-feira, 23 de maio de 2013

dilacerada na selva de pedra



hoje eu tive a exata sensação do meu tamanho. pequena, andei pelas ruas sob a garoa fina com uma bigorna ancorada ao peito. a realidade cinza e fria da cidade se fundiu a mim, caminhei passos errantes, sem saber aonde estava indo. um desconforto tão leal, traguei a fumaça do meu cigarro na esperança de encontrar qualquer purificação. um desconforto que só cabe em meu peito, duro, urbano. o frio que corta e espalha algumas lágrimas perdidas, que insistem em vazar pelo meus olhos. senti que todos os prédios riam de mim, desse tamanho indefinido. todas as cicatrizes expostas, mesmo com todas as camadas de roupas e anseios que me cobrem. nua, minhas pernas sabem bem o peso dessa caminhada.
uma. bigorna. ancorada. ao. peito.

São Paulo, tu és a cidade dos meus pesadelos, mas também é contigo que tenho os sonhos mais bonitos.

Interlúdio ou Matan, parte II

eu desenhei uma estrela de davi na testa
eu te desejei
eu peguei um barco na margem do rio jordão
a vida é um rio de muitas curvas
a minha estiagem
a minha seca
não impede a fluidez dos caminhos passíveis
possíveis
e como as veias de um coração aberto
navegamos
por terras ocupadas, invadidas
somos reféns
somos estrangeiros em nosso próprio solo
eu tatuei uma estrela de davi no peito
para dizer ao mundo que tu mudaste o meu destino
num momento onde nada mais podia dar certo
tu vieste
quando eu chamei por ti em meus sonhos ridículos
agora eu só faço agradecer
e rezar para que tu não morra
em alguma guerra estúpida
e  para que possa tu, ainda
mudar o destino de outras moças
sedentas por vida e por beleza
essa beleza ímpar
que é só tua, you damn jew.



segunda-feira, 20 de maio de 2013

FotoFobia

essa urgência em estar viva
essa pressa
que me faz atropelar muros e subverter tudo
me faz criar contos e viver das ilusões
de sonhos vazios, de sanidade incompleta
essa urgência
grita dentro de mim
me faz acordar suada nos domingos
pra escrever os capítulos de uma história
que não será lida
que não será contada
e que não tem protagonista
tento desesperadamente
quebrar esses vícios antigos
e esses hábitos tão nefastos
mas o meu medo
é não sobrar nada
não restar nada
do que fomos nós

daí danço nessa valsa de águas vivas
e despretensiomente balanço os meus cabelos
e me envolvo na música
que dá sentido aos meus passos
me sinto minúscula
penso na via-lactea
penso em como essa urgência
me acolhe
me faz ver outras janelas
contemplar
que nela, não há espaço para
lamentações
apenas

domingo, 19 de maio de 2013

a música libertadora do ano!

é uma da manhã e eu tô pulando no meu quarto e cantando:

I DON'T CARE! I LOVE IT!




fresh new year, baby!

quinta-feira, 16 de maio de 2013

tábua rasa

tem um abismo ali na frente
e eu posso fingir que ele não tá lá
e eu posso negar a sua existência
solenemente
ele vai continuar lá
me olhando, me encarando
perguntando quando é que eu vou pular
perguntando quando é que eu vou largar de ser medrosa
e me jogar nessa maré de possibilidades infinitas
ele é escuro, como todos os abismos são
tenho medo dele porque tenho medo do que é novo
sempre
abrigo em mim todos os medos desse mundo
criando muros e barreiras 
que me impedem de gozar a sensação
da queda livre
da aceitação daquilo que não pode ser mudado
e da incorporação da vida que pulsa
escondida nos abismos
que preferimos ignorar

era uma vez na cidade do méxico

eu vi fuligem. fuligem daquela que pega, que gruda, que mancha. eu andei por milhares de caminhos aztecas, eu acenei e venerei aqueles deuses, um por um. o que eu mais gostei foi Tlaloc, deus da chuva. ele me abençoou com uma tempestade pesada, que lavou a fuligem e meu deu uma alma nova. depois veio Quetzalcoatl, deus do vento e senhor da luz, tornando nossos sofrimentos ainda mais insuportáveis. eu andava pelo centro de Tenochtitlan, admirada, na companhia da serpente emplumada, como numa comitiva real. eu, a mais perdida entre as perdidas, desfrutável, quase uma messalina, fui coberta de jóias e sangue dos prisioneiros de guerra. as paredes caíam sobre nossas cabeças, em chamas. dancei sob os tambores do governador do oeste, descalça e nua. Tenochtitlan vibrou em cores, oferendas e amores. trouxeram um puma até mim e eu o beijei com ardor. me convidaram a partir para Teotihuacan, e eu fui, seduzida pelas histórias de belos guerreiros sedentos que haviam por lá. Teotihuacan se incendiu com a minha chegada, e os sacrificios continuaram, com cabeças rolando da pirâmide da lua. todos aplaudiram. Quetzalcoatl me disse então que aquela era uma cerimônia de adoração à uma estrela dos antigos. Tlaloc apareceu e me pediu em casamento. Xochiquetzal, sua mulher, se sentiu ofendida e exigiu meu sacrificio e minha viagem até o inferno, seu dominio. eu aceitei o pedido, porque não é qualquer deusa que podia me desafiar daquela maneira, eu era uma aspirante convidada pelo senhor da noite e seus servos. eu desafiei a deusa da morte e fui contemplada com raios e trovões de toda a sorte. eu morri para tornar aquela cerimônia divina e meu sangue correu a cidade por dias, alimentando aqueles que ali chegavam para ouvir a história.

acordei encharcada na cidade do méxico, suei frio e me levantei para fumar um cigarro, olhando as ruínas do templo maior



quarta-feira, 15 de maio de 2013

eu gostaria de estar em seattle agora
tomando um drink e olhando a chuva
adoro olhar a chuva pela janela
me disseram que lá chove todo dia
eu sinto falta dela,
da chuva
o tempo todo
acho que sou mais feliz quando chove

segunda-feira, 13 de maio de 2013

who will survive and what will be left of them?

quem diria
que entre mortos e feridos
salvariam-se todos
se alguém me perguntasse
eu diria que eu não
que eu ia morrer de morte morrida
que eu preferia assim
do que simplesmente vagar por aí, pelos nossos lugares
sozinha
por todas as igrejas que entramos
percorrendo noites na chuva
para rezar com devoção para aqueles santos
que você sabe que eu adoro
sobrevivendo
ao seu gosto na minha boca
misturado à alcatrão e vodca barata
saboreando esses momentos de penúria
sabendo que mais dia menos dias
eles iriam acabar
esquecer é silêncio, eu já disse isso
então às vezes, quando me pego calada
me pergunto:
e se tivéssemos feito diferente? e se eu tivesse feito diferente?
mas saiba você, meu amor de novembro
que eu não poderia nunca ter feito diferente
e essa é a nossa natureza
e por isso estamos aqui
eu posso afirmar que o sangue tá pulsando nas minhas veias
vermelho e espesso
viva, lúcida, palpável.
só não posso dizer a você o que foi deixado de mim
porque isso por si só
já é assunto
pra outra história







Hypólita

queria que aquelas águas fossem azuis, mas eram negras
águas da noite
e como eu sofri então

sábado, 11 de maio de 2013

Nigella, essa MUSA!

Nigella Lawson, para você, qual a relação entre amor e comida?

"Para mim, amor e comida são entrelaçados. Quando você alimenta alguém, de certa forma, o que você está fazendo é mantendo aquela pessoa viva. É uma relação muito intensa, tem a ver com sobrevivência e existência. De alguma forma, você está dizendo para a pessoa “eu te amo e eu preciso que você esteja nesse mundo”.

♥♥♥

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A metáfora e o Rim

Eu tenho esses dois rins aqui
mas é pelo esquerdo que escrevo hoje
sempre que minha vida passa por uma turbulência, não é somente o meu coração que adoece
quem paga o pato é sempre esse coitado
de contornos formais e regulares,
sempre ele
que me avisa que a tempestade devastou mesmo
por dentro
ele recebe todas as magoas,
ele segura todos os meus baques
ele absorve todas essas emoções, esse danado
enquanto meu coração tira uma folga
ele retorce e doí e expele o mal
é uma dor tão insuportável
que não me deixa pensar em nenhuma outra
é só ele, eu e ele
e temos que nos virar pra passar por isso de novo
uma pedrinha me pôs de cama ontem
ele gritou
e me fez chorar, chorar, chorar
ficar sozinha
me contorcer
e relembrar
que eu tenho um maquinário inteiro aqui pra cuidar
cuidar de mim
desse rim
me amar, nos amar

precisamos cuidar um do outro.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

2008

E assim estamos indo,
sangue, dor, ferida e cicatriz
a vida se traduz em erros de cálculo e surpresas tangíveis.
somos todos passiveis a mudanças
ou
estou atropelando meus sonhos e sendo apenas estúpida?

terça-feira, 7 de maio de 2013

Laila

"De todas as dificuldades que uma pessoa tem de enfrentar, a mais sofrida é, sem dúvida, o simples ato de esperar."
Khaled Hosseini - A Cidade do Sol


saudade, essa palavra maldita
que
só existe em português
nós, que sofremos nessa língua
sentindo todo o peso de uma palavra
que
inventamos
que nos serve para chorar
a perda de nossas extensões
festejando uma noite na penumbra
olhando pro telefone
querendo discar
pra qualquer número que nos ouça
especialmente aquele
indisponível
saudade, palavra essa
que
nos faz perder a sanidade
e com a força de um cavalo em fuga
nos arranca
da comodidade brilhosa dos dias
nos faz sentir
desconfortáveis em nós mesmos
e definitivamente
a sensação de não caber em nossos próprios corpos
é um lastro que só a lingua pode causar.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

quinta-feira, 2 de maio de 2013

é segredo que desejo teus braços
em silêncio
segredo que as partes do teu corpo me tomam
de assalto
segredo que vejo tua língua enrolar para dizer-me as palavras erradas
e gozo
vejo todas essas partes defeituosas em ti
cada pedacinho
coberto de minha saliva pura
&
escassa
saliva
eu comia com sofreguidão
me arrastando, imensa e profunda
largo, nada
tens olhos tão bonitos
gostaria de poder nadas neles.